Artigo: Cultura Organizacional – O principal desafio da Nova Lei de Licitações para os municípios

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Adelson Barbosa Damasceno
Advogado, Consultor, Professor e Mestre em Direito Público

 

INTRODUÇÃO

Têm sido muito frequentes as lives e debates que apontam para a existência de inúmeros desafios para a implementação da Nova Lei de Licitações que, por força do art. 193, inciso II, passa a ser a única norma geral sobre licitações e contratos utilizadas pelos Municípios a partir de 01/04/2023.

Muito tem sido falado sobre as regulamentações e claro que isso deve ser motivo de atenção já que a Nova Lei traz nada menos que 45 (quarenta e cinco) situações em que deverão ser editados regulamentos pela União, Estados, Municípios e demais órgãos administrativos.

Existem ainda outros desafios como, por exemplo, o manuseio do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que ainda não está em pleno funcionamento; a segregação de funções, especialmente naqueles Municípios que possuem número reduzido de servidores; a natureza conflitiva da Nova Lei, desde sua fase interna; o maximalismo jurídico e o detalhamento contido em uma Lei com 194 artigos fora as regulamentações; enfim, é um cenário que deveria estar “tirando o sono” de qualquer gestor público.

Mas, como iniciar o processo de estruturação interna do meu Município para prepara-lo para aplicar a Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021)?

Assim, o presente estudo tem por objeto analisar os principais desafios, não do ponto de vista prático e legal, mas do ponto de vista estrutural e interno, para que os Municípios, especialmente aqueles menores, possam implementar, com segurança e eficiência, a Nova Lei de Licitações.

Para isso, vamos apresentar os pilares da Nova Lei de Licitações e que irão remeter à necessidade de uma nova forma de comportamento por parte da Administração Municipal, inclusive da alta gestão que inclui Prefeitos, Secretários e ordenadores de despesas: a implantação de uma cultura organizacional.

  1. A NOVA LEI E A COMPULSORIEDADE DE IMPLANTAÇÃO DE UMA CULTURA EM TERMOS DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

O Professor Rosemiro Leal enfatiza que é uma característica típica das democracias a possibilidade de críticas em relação a institutos e instituições jurídicas ao passo que também tece críticas quanto aos processos de criação, interpretação e aplicação do Direito no Brasil, que não cuidam de pensa-lo como forma de diminuir o sofrimento da existência humana (LEAL, 2013).

Os profissionais do Direito de modo geral apegam-se a alguns dogmas, dentre eles a crença inquestionável de que o direito seria capaz de solucionar todos os problemas relacionados aos dissabores da existência humana e por isto mesmo há uma profunda resistência, sobretudo no Direito Administrativo – orientado pela principiologia – em incorporar ideais, conceitos e experiências exitosas de outros campos de conhecimento.

A Nova Lei de Licitações é exemplo disso e, na buscar por uma contratação mais proba e eficiente, torna os certames muito mais complexos, demorados e caros, inclusive naquelas contratações de baixo custo ou de objeto simples.

Ao longo dos anos, todavia, o que se viu, especialmente no âmbito dos pequenos Municípios, foram os improvisos e os processos chamados de “tapa-buracos[1]”, o que não raras vezes levaram a condenações de servidores e agentes políticos.

Também não é incomum que secretários municipais ou mesmo Prefeitos cheguem até o departamento de licitações e solicitem que seja realizada uma licitação urgente porque o produto está quase acabando ou o contrato encontra-se na iminência de vencer.

Mas, de fato, a Nova Lei traz todas as respostas necessárias para a solução de problemas tão antigos?

Pela análise sistêmica da Lei percebemos que em meio a vários princípios, regulamentos, planejamentos e procedimento ela trouxe a resposta: a necessidade de implantação de uma nova cultura organizacional no âmbito das Administrações Públicas em geral.

A ideia de cultura organizacional é bastante difundida no âmbito empresarial:

Cultura organizacional é um conjunto de elementos (crenças, valores e normas) que influenciam o clima de uma empresa. Essa cultura empresarial é importante para as organizações por guiar e alinhar os comportamentos dos funcionários no trabalho (ARMBRUST, 2022).

Na Administração, todavia, muito pouco tem sido falado sobre a necessidade de implantação de uma cultura organizacional. Temos, por exemplo, as Leis que definem as atribuições dos cargos, empregos e funções – as chamadas estruturas administrativas – ao passo que os valores e crenças que guiam a atividade administrativa acabam por decorrer de axiomas, no caso, o conjunto de princípios implícitos e explícitos na Constituição da República.

Para SUNDELD (2014), a ideia dos princípios, enquanto norteadores da atuação administrativa, representaria a preguiça quanto ao dever de motivar e fundamentar os atos, já que o axioma pode, em última análise, justificar qualquer tipo de decisão, inclusive aquelas totalmente ineficientes.

Nisso, a Nova Lei de Licitações trouxe algumas inovações, o que deverá impor aos órgãos da Administração Pública, inclusive para os pequenos Municípios, a necessidade de implantação de uma nova cultura organizacional, sob pena de responsabilização da alta gestão.

Não basta apenas seguir a ideia de legalidade ou mesmo a moralidade na condução dos processos licitatórios sem que, por exemplo, atente-se para a necessidade de um correto e eficiente planejamento nas contratações públicas.

Assim, trata-se de uma verdadeira “virada na chave” que impõe a observância de um novo paradigma jurídico que deverá orientar todo o processo de contratação no âmbito da Administração Pública.

A ideia de paradigma, seguindo uma linha habermasiana, pode ser entendida como o “pano de fundo” ou o conjunto de valores que orientam a interpretação e aplicação das regras jurídicas (HABERMAS, 2011).

O paradigma é de suma importância porque é a partir dele que devem ser orientadas as decisões e a interpretação das regras, sendo certo que no caso da Lei 14.133/2021, a necessidade de implantar uma nova cultura organizacional decorre de um valor expresso e fundamental devidamente externado pelo legislador.

Assim, chegamos ao ponto de partida para a implementação da Nova Lei de Licitações pelos pequenos Municípios – a necessidade de implantação de uma Cultura Organizacional pautada em crenças, valores e normas criados com o objetivo de atender aos reais interesses públicos e norteados pelos pilares ou eixos estruturantes [2]do novo paradigma das contratações públicas fundados na ideia de governança e planejamento.

Todavia, a definição destes valores, crenças e normas depende do prévio conhecimento da realidade estrutural do órgão ou Município e dos desafios para se adequar a este novo paradigma, o que se dará a partir do planejamento estratégico.

Ao chegarmos à constatação de que a Nova Lei impõe a implementação de uma nova cultura organizacional no âmbito da Administração, passa-se, então, a apresentar os pilares ou eixos estruturantes da Lei 14.133/2021 e que irão nortear a esses novos valores, crenças e normas que irão regular as contratações públicas.

A partir do conhecimento dos pilares da Nova Lei fica mais fácil para o gestor nortear o planejamento estratégico do seu município ou órgão público onde ele poderá entender os pontos fortes, os pontos frágeis, as oportunidades e os desafios para sua implementação.

  1. DOS PILARES DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

Aqui, seguindo os apontamentos da Professora Cristiana Fortini e do Professor Rafael Amorim, temos que os pilares ou, eixos estruturantes da Lei 14.133/2021 seriam:  governança, profissionalização de recursos humanos, tecnologias da informação e comunicação, prevenção de riscos.

2.1. Governança

O primeiro pilar da Nova Lei de Licitações é a governança e que impõe a responsabilização da alta gestão da Administração pelo planejamento e integridade das contratações, vejamos que diz o parágrafo único do art. 11:

A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.

A governança, a rigor do que dispõe a Lei, impõe o dever, e não uma faculdade, para a alta gestão. É ela que deverá implementar processos e estruturas voltadas a garantir a integridade das contratações públicas.

Pela Lei, entende-se que estes processos seriam a regulamentação e a criação de procedimentos destinados a apontar os mecanismos de liderança, estratégia e controle para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das compras públicas.

As estruturas necessárias podem ser materiais, a exemplo das tecnologias da informação para a realização das licitações no modelo eletrônico, ou estruturais, como, por exemplo, a existência de controles internos voltados para as contratações públicas e assessoramento jurídico qualificado.

A existência destes processos e destas estruturas tem por finalidade acompanhar, monitor, avaliar e fiscalizar o ambiente de integridade dos processos licitatórios e dos contratos deles advindos com o objetivo de fazer com que estes cumpram a finalidade ao qual se destinam, quais sejam: resultado mais vantajoso, justa competitividade e tratamento isonômico, evitar contratações com valores inexequíveis ou acima dos valores de mercado e garantir o desenvolvimento nacional sustentável (art. 11).

Mas, a Lei também traz a obrigatoriedade, e aqui não se fala mais de uma simples faculdade, de que o ambiente de governança tenha por finalidade compatibilizar e racionalizar as contratações de acordo com um planejamento estratégico.

Logo, a conclusão que se chega é que a governança a ser implantada no âmbito dos Municípios parte de duas diretrizes: planejamento e integridade do ambiente.

A nível federal, por exemplo, foi editada a Portaria SEGES/ME 8.678/2021 que regulamenta a governança nas contratações públicas, inclusive impondo aos Municípios sua observância no caso de aquisições realizadas com recursos federais.

Referida Portaria definiu a governança nas contratações públicas em seu art. 2º, III:

III – governança das contratações públicas: conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis;

Assim, o primeiro passo para a implantação da Nova Lei de Licitações é a compreensão, por parte da alta administração do Município ou órgão, da necessidade de implantar rotinas e processos de governança nas contratações públicas devendo, para isso, realizar um planejamento estratégico das contratações públicas, definir um organograma no setor de contratações com a definição das posições de liderança, definir os riscos que eventualmente podem ser assumidos pela Administração e especialmente, criar processos internos de comportamento e mecanismos de integridade das contratações.

2.2. Profissionalização de Recursos Humanos

Talvez este seja um dos principais desafios a cargo dos gestores municipais.

A profissionalização depende, num primeiro momento, de condições políticas locais aptas a possibilitar atualização da Legislação Local para criação ou transformação de cargos públicos, já que essa condição é indispensável a rigor da Lei 14.133/2021, vejamos:

Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:
I – sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública;
II – tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e
III – não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
§1º A autoridade referida no caputdeste artigo deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.
§2º O disposto no capute no § 1º deste artigo, inclusive os requisitos estabelecidos, também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração.

A necessidade de priorizar a profissionalização dos recursos humanos que irão atuar nas licitações também decorrem da regra do art. 8º, § 3º, veja-se:

§3º As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei.

Nesse sentido a Lei impõe a obrigatoriedade de uma seleção rigorosa para a escolha do agente de contratações e sua equipe de apoio, inclusive com regras gerais sobre compliance com o objetivo de impedir que estas funções sejam exercidas por parentes ou parceiros comerciais de potenciais licitantes ou contratados da Administração local.

Na mesma linha, a Lei impõe a qualificação, a segregação de funções – inclusive para o órgão de assessoramento jurídico e controle interno – com vias a impedir que erros ou fraudes possam ser encobertos durante o andamento do certame ou na execução do objeto contratado.

Por fim, a Lei obriga que, nos termos de regulamentação local, seja prevista uma estrutura mínima capaz de dar suporte ao pleno exercício da atuação do agente de contratações e equipe de apoio e, também, dos responsáveis pela fiscalização dos contratos, inclusive com a disponibilização de assessoramento jurídico e controle interno.

Aqui é importante enfatizar que alguns mitos vêm sendo construídos em torno da nova Lei, dentre eles o que os Municípios com até 20.000 habitantes teriam 6 anos, a partir da publicação da Lei, para aplica-la em suas licitações.

Trata-se de risco e de uma interpretação equivocada do art. 176, o qual posterga aos Municípios com até 20.000 habitantes apenas a implementação do art. 7º e do caput do art. 8º (agente de contratação designado entre servidores efetivos do Município).

A profissionalização dos recursos humanos é condição material indispensável para o correto e seguro desenvolvimento dos certames de modo que a não preparação do Município com eventuais alterações legislativas e edição dos regulamentos implicará a responsabilização pessoal do Prefeito e diretores dos órgãos da Administração e, claro, na impossibilidade de realização de certames.

Trata-se de uma preocupação nova do Legislador Federal de obrigar os entes subnacionais a implementarem de uma política de profissionalização dos servidores que irão conduzir os processos licitatórios e que não deixa margens para a discricionariedade do administrador local.

2.3. Planejamento como regra e cultura da Administração

A palavra planejamento consta 12 vezes no texto da Lei 14.133/2021 e é um princípio que consta expressamente no art. 5º.

Além do art. 5º, o art. 11, conforme já mencionado acima, trata da necessidade de que as contratações sejam compatíveis com o Plano Anual de Contratações Públicas que, por sua vez, deverá estar de acordo com o planejamento estratégico do Município ou órgão e com a sua Lei Orçamentária Anual.

Além disso, o art. 19 da Nova Lei enfatiza a necessidade de planejamento nas contratações públicas e apresenta uma série de instrumentos e medidas estruturais que deverão ser implementadas pela Administração, vejamos:

Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
III – instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo;
IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia.

Várias etapas do planejamento das contratações públicas foram incorporados pelo Legislador a partir de experiências normativas da União. Assim, muitos dos procedimentos preparatórios já existiam no âmbito federal, resta agora o desafio de implementá-los junto aos pequenos municípios brasileiros.

A título de exemplo de instrumentos já utilizados pela União temos a Instrução Normativa 01/2019 da Secretaria de Gestão do Ministério da Economia que já determinava a elaboração de um Plano Anual de Contratações. Também já havia a IN 05 de 2017 da Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento que determina a exigência de várias documentações para fins de contratação de serviços. Também a IN 01/2019 da Secretaria de Governo Digital que regula o processo de contratação de tecnologia e informação. A IN 40/2020 que trata da desburocratização que trata da realização do Estudo Técnica Preliminar que é extremamente complexa e burocrática. Também a IN 73 da mesma Secretaria que regula o processo para pesquisa de preços no âmbito dos processos licitatórios e de compras.

Do ponto de vista prático o fato é que todos esses estudos e etapas de planejamento tornam os processos muito mais lentos, complexos, conflitivos e burocráticos e foram, em grande medida, incorporados na Lei 14.133/2021 com regras procedimentais detalhadas e segregação de funções, algo um pouco longe da realidade da maioria dos municípios brasileiros, no entanto, por expresso comando legal, cabe aos Municípios criar uma cultura de planejamento como forma de conseguir aplicá-la.

A partir da análise da Lei 14.133/2021 temos que o planejamento passa por 6 etapas:

  • O Plano Anual de Contratações; (art. 12, VII)
  • O Estudo Técnico Preliminar; (Art. 18, I)
  • O Termo de Referência, Anteprojeto ou Projeto Básico; (art. 18, II)
  • A Compatibilidade Orçamentária; (art. 18, III)
  • Análise de Risco; (ART. 18, X)
  • Aprovação Jurídica; (Art. 53)

Assim, o fluxo procedimental da Nova Lei segue à risca várias Instruções Normativas Federais sendo certo de que fica agora, a cargo dos entes subnacionais, sua regulamentação.

É importante destacar que todos esses requisitos são impostos para todo e qualquer tipo de contrato, independentemente se para uma licitação mais complexa ou para uma simples dispensa de licitação em razão do valor.

2.4. Incorporação de tecnologias da informação

Ao determinar a obrigatoriedade de adoção do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) em seu art. 94, a Lei não almeja apenas a transparência, busca-se centralizar todas as informações referentes às contratações públicas em um único sítio eletrônico (art. 174).

No PNCP deverão constar informações sobre:

Art. 174. (…)
§2º  O PNCP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das contratações:
I – planos de contratação anuais;
II – catálogos eletrônicos de padronização;
III – editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos;
IV – atas de registro de preços;
V – contratos e termos aditivos;
VI – notas fiscais eletrônicas, quando for o caso.
§3º O PNCP deverá, entre outras funcionalidades, oferecer:
I – sistema de registro cadastral unificado;
II – painel para consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas;
III – sistema de planejamento e gerenciamento de contratações, incluído o cadastro de atesto de cumprimento de obrigações previsto no § 4º do art. 88 desta Lei;
IV – sistema eletrônico para a realização de sessões públicas;
V – acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep).

Compete esclarecer que até o momento o PNCP ainda não possui todas as funcionalidades e têm sido comuns decisões dos Tribunais de Contas [3]no sentido que a Lei 14.133/2021 tem aplicabilidade imediata e que, até a efetiva operacionalização do PNCP, devem os órgãos públicos, ao optarem pela aplicação das novas regras, reforçarem as medidas de publicidade como, por exemplo, aquelas em seus sites oficiais.

2.5. Implementação de medidas de prevenção de riscos

O maximalismo jurídico, que toma conta da Nova Lei, ainda prevê a adoção e especial atenção do gestor público para medidas de prevenção a danos à Administração como, por exemplo, as contratações por valores inexequíveis, com sobrepreço ou frutos de fraudes.

A preocupação inicia com a adoção de medidas de governança, capacitação de recursos humanos e segregação de funções e desagua na necessidade de elaboração de matriz de riscos e análise periódica do ambiente com vias à detecção de riscos (art. 169).

Nesse contexto podemos aqui destacar alguns exemplos acerca da preocupação com a prevenção:

Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:
I – primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;
II – segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;
III – terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas.

Aqui podemos trazer uma nova perspectiva para atuação dos órgãos de controle interno e de assessoramento jurídico que, a partir da Nova Lei, deverão estar preparados para desenvolver um papel mais ativo enquanto instâncias de controle das contratações públicas, providência que a rigor do disposto no § 1º do art. 169 é de competência da alta administração, a qual assume, na ausência de mecanismos de controle, total e irrestrita responsabilidade em relação aos problemas relacionados aos contratos administrativos.

O controle interno passa a receber, em conjunto com os Tribunais de Contas, as denúncias e as representações de irregularidades nos certames ou na execução dos contratos (art. 170, § 4º).

Já o órgão de assessoramento jurídico passa a promover o controle prévio da legalidade das contratações e deve ainda, em suas manifestações, atentar para os requisitos previstos no art. 53 da Lei, sob pena de, conforme disposto na Lei 13.655/2018, ser-lhe imputada a responsabilidade por erro grosseiro.

Trata-se, portanto, de mecanismos de prevenção que vão muito além daquilo que era previsto na Lei 8.666/93 e que impõe um novo paradigma para ser observado por todo e qualquer órgão da Administração.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo não tinha por objetivo esgotar os temas e partiu de uma abordagem geral sobre aquilo que, a partir da nova Lei, deve ser objeto de preocupação inicial da alta administração do órgão.

Embora a Lei não traga expressamente o planejamento estratégico como sendo uma obrigatoriedade, fato é que toda e qualquer unidade administrativa que promova a realização de contratações públicas, ainda que de pequeno vulto, deverá realiza-lo, ainda no ano de 2022, com vias a avaliar as necessidades que precisam supridas para implantar a Lei 14.133/2021.

Para isso certamente deverá ser feita a escolha dos servidores que irão compor a equipe de contratação e buscar a qualificação dos mesmos e, a depender do caso, criar ou transformar cargos públicos.

Também será o planejamento estratégico que irá criar um cronograma e plano de ações capazes de suavizar a transição para o novo modelo, que se reprisa, é mais conflitivo, lento e caro.

Há ainda a necessidade de avaliação da eficiência e das condições técnicas dos órgãos de assessoramento jurídico e controle internos próprios, isto porque, se atualmente os mesmos estão sobrecarregados, a partir da nova Lei a situação tende a piorar ainda mais.

Por fim, deve a alta administração perceber que a não implementação de medidas de governança, a ausência de regulamentação e qualificação de pessoal levarão à sua responsabilidade pessoal e objetiva quando detectadas falhas na condução do certame e na execução dos contratos administrativos.

Assim, é uma obrigação e um dever da alta administração criar uma cultura de planejamento e integridade, sob pena de responsabilizar-se pessoalmente pelas falhas nas licitações conduzidas a partir da Nova Lei.

 

REFERÊNCIAS

ARMBRUST, Gabrielle. Cultura organizacional: o que é, importância, tipos e exemplos. 2022. Disponível em: https://www.gupy.io/blog/cultura-organizacional#:~:text=Cultura%20organizacional%20%C3%A9%20um%20conjunto,comportamentos%20dos%20funcion%C3%A1rios%20no%20trabalho. Acesso em 12 de abril de 2022.

BRASIL.. Lei nº 13.655 de 24 de abril de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13655.htm. Acesso em 12 de abril de 2022.

BRASIL. Lei nº 14.133 de 01 de abril de 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm#art8 Acesso em 12 de abril de 2022.

BRASIL. Portaria SEGE/ME nº 8.678 de 19 de julho de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-seges/me-n-8.678-de-19-de-julho-de-2021-332956169 Acesso em 12 de abril de 2022.

FORTINI, Cristiana; AMORIM, Rafael Amorim de. Um novo olhar para a futura lei de licitações e contratos administrativos: a floresta além das árvores. 2021. Disponível em: http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo_detalhe.html. Acesso em 12 de abril de 2022.

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011. v. II.

LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucional do processo: uma trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 205-229.


[1] A expressão tapa-buracos aqui pode ser entendida como aqueles processos fabricados pelas Administrações, normalmente para justificar uma contratação que não foi precedida de licitação. Em alguns casos, tempos após a contratação, o Município montava, geralmente as famigeradas cartas convite ou mesmo uma dispensa para lastrear a despesa assumida antes da formalização do contrato.

[2] Nesse sentido, FORTINI e AMORIM (2021).

[3] Processo TC 008.967/2021-0 – disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tribunal-responde-consulta-sobre-dispensa-de-licitacao.htm e Processo 1104835 – disponível em: https://www.tce.mg.gov.br/pesquisa_processo.asp