Flavia Reis Goz
Pós graduada em Direito Penal e Processo Penal.
Atuou no Ministério Público de Minas Gerais.
O Supremo Tribunal Federal, por meio da relatoria do Ministro Gilmar Mendes, deferiu a liminar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 6678 para garantir que a suspensão dos direitos políticos prevista na Lei n.º 8.429/92 ocorra apenas nos casos dolosos de improbidade administrativa.
Compulsando o acórdão, verifica-se que o relator Gilmar Mendes acatou a tese do PSB referente à interpretação, conforme a Constituição e o princípio da proporcionalidade, o art. 12, incisos II e III, da Lei n.º 8.429/92.
Sabe-se que suspensão dos direitos políticos constitui exceção no ordenamento jurídico, ocorrendo apenas nas hipóteses previstas no art. 15 da Constituição Federal de 1988, a qual se destaca a ocorrência de ato de improbidade administrativa.
Por outro lado, o §4º do art. 37, também da Constituição Federal, estabelece que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.
Entretanto, o que se impugnou por meio da ADI foi a “forma e a gradação previstas em lei”, porquanto o ato de improbidade administrativa, seja ele doloso ou culposo, ganha mesma sanção que uma condenação criminal, consoante incisos III e V, do aludido art. 15.
Ao analisar o art. 12 da Lei n.º 8.429/92, bem como os seus incisos, denota-se que o legislador cuidou de graduar as sanções a serem aplicadas, impondo as mais severas nos atos dolosos ímprobos e menos severas quando as condutas forem violadoras dos princípios da Administração Pública.
No entanto, a gradação limitada à questão temporal da penalidade de suspensão dos direitos políticos não se coaduna com o princípio constitucional implícito da proporcionalidade.
A diferenciação apenas temporal da penalidade de suspensão de direitos políticos, nesta análise preliminar, não atende ao dever de gradação preconizado pela Constituição Federal. Há na retirada desses direitos fundamentais, ainda que temporária, gravidade inerente e dissociada do lapso supressivo. Ou seja, independentemente do tempo de suspensão, a mera aplicação dessa penalidade, a depender da natureza do ato enquadrado, afigura-se excessiva ou desproporcional (BRASIL, STF, 2021)[1].
Ora, se até mesmo a punição na seara criminal é ponderada pela pena abstrata prevista nos preceitos secundários das leis penais, a gradação em sede de improbidade administrativa também deve observar, não pode ser limitada ao quesito temporal, mas, sobretudo, à gravidade da conduta censurada.
Portanto, as condutas culposas de improbidade administrativa podem ser repreendidas por meio de outros mecanismos previstos na Lei n.º 8.429/92, tais como multa civil, proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios e incentivos fiscais, por exemplo.
Assim, por não se revestir as condutas culposas da mesma gravidade que as condutas dolosas, não se justifica a supressão dos direitos políticos naquelas circunstâncias.
A par do exposto, a decisão liminar determinou o seguinte:
a) conferir interpretação conforme à Constituição ao inciso II do artigo 12 da Lei 8.429/1992, estabelecendo que a sanção de suspensão de direitos políticos não se aplica a atos de improbidade culposos que causem dano ao erário; e
b) suspender a vigência da expressão “suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos” do inciso III do art. 12 da Lei 8.429/1992.
A decisão em comento possui efeito “ex nunc”, ou seja, sem efeitos retroativos, e impactará o pleito eleitoral de 2022, visto que atende o princípio da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal.
[1] migalhas.com.br/arquivos/2021/10/630EDA2AF02597_adi-6678.pdf