ASPECTOS AMBIENTAIS NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES – UM MUSEU DE GRANDES NOVIDADES?
Leandro Eustáquio de Matos Monteiro
Advogado. Mestre em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Ambiental
Uma nova norma nacional sobre Licitações e Contratos Administrativos foi sancionada no início do mês de abril de 2021. Com quase 200 artigos, a Lei 14.133 consolida práticas de diplomas licitatórios específicos, confirma a tendência de utilização de meios alternativos de solução de controvérsias, como conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragens e positiva entendimentos de órgãos de controle, especialmente o Tribunal de Contas da União e traz novidades, casos do Portal Nacional das Contratações Públicas e da introdução do diálogo competitivo como modalidade licitatória.
Depois de 27 anos de vigência, a Lei 8.666/1993 foi revogada, sem deixar lá muita saudade. Extremamente formal, morosa, fazia que o Poder Público pagasse preços superiores ao mercado, muito embora alguns de seus institutos tenham sido preservados pela Lei 14.133, como a exigência de que as Contratações sejam Sustentáveis, o que levanta a indagação de que a nova Lei não seria apenas um “Museu de Grandes Novidades”, pergunta musicada pelo Cazuza lá no final dos anos 80.
A exigência das contratações sustentáveis é debutante no Brasil, tendo 15 anos de existência regulamentada. Desde 2006, o Estado de São Paulo[1], o Estado do Paraná[2] e já tem normativa própria para incentivar a sustentabilidade nos procedimentos licitatórios. Em âmbito federal as normas que regulamentam esse quesito também não são novas, como exemplo Decreto 2.783[3]/98, que dispõe sobre proibição de aquisição de produtos ou equipamentos que contenham ou façam uso das Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, embora a revogada Lei 8.666/93 só tivesse sido alterada em 2010 para nela ser incluído o princípio desenvolvimento nacional sustentável[4]. Depois disso, as licitações sustentáveis também foram adotadas no do Regime Diferenciado de Contratação[5].
Diante de tanta norma, tamanha inflação legislativa, o excesso preocupa. A palavra sustentabilidade merece muita atenção porque a exigência de que tudo seja sustentável traz o risco de nada o seja, lembrando-se aqui de uma das frases de outro cantor já falecido, o brilhante Tim Maia: “tudo é tudo, nada é nada”.
Nesse contexto, para evitar o esvaziamento da palavra sustentabilidade, o Governo Federal delimitou o significado normativo de sustentabilidade, pelo Decreto 7.746[6] de 2012 que traz em seu artigo 4º como “diretrizes da sustentabilidade” alguns parâmetros: menor impacto sobre recursos naturais (inciso I), preferência por material, matéria-prima, tecnologia local e geração de empregos com mão de obra nacional (incisos II e IV), maior eficiência no gasto de água e energia (inciso III), uso de inovações que reduzam o impacto ambiental, maior vida útil e menor custo de manutenção dos bens da obra (incisos V e VI) e a “origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras” (inciso VII).
Voltando para a norma nova, que manteve o princípio do desenvolvimento nacional sustentável como um dos principais objetivos das licitações públicas, embora tenha verticalizado a exigência. Já na fase preparatória do processo licitatório deverá ser feito um estudo técnico preliminar para caracterizar a necessidade das compras, incluindo como requisito para permitir a avaliação da viabilidade da contratação algumas medidas mitigadoras[7] como baixo consumo de energia e logística reversa e reciclagem, reciclagem que pode ser estabelecida como um dos critérios a título de margem de preferência para compra[8].
O Edital da Licitação poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento ambiental[9], estabelecendo ainda prioridade para a tramitação do licenciamento ambiental das licitações sustentáveis junto aos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente[10].
Uma das melhores novidades é a criação do critério do “melhor preço sustentável[11]” como contraste ao critério do “menor preço”. A norma[12] prevê que os custos indiretos, relacionados com as despesas de manutenção, utilização, reposição, depreciação e impacto ambiental do objeto licitado, entre outros fatores vinculados ao seu ciclo de vida, poderão ser considerados para a definição do menor dispêndio, sempre que objetivamente mensuráveis, o que ainda precisa ser regulamentado.
A nova norma avança e indica que as obras e serviços de engenharia devem respeitar o conceito Alargado de Meio Ambiente[13], qual seja o Meio Ambiente Natural, o Meio Ambiente Artificial, o Meio Ambiente do Trabalho e o Meio Ambiente Cultural, especialmente, as normas relativas disposição final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos gerados pelas obras contratadas, mitigação por condicionantes e compensação ambiental, utilização de produtos, de equipamentos e de serviços que, comprovadamente, favoreçam a redução do consumo de energia e de recursos naturais, avaliação de impacto de vizinhança, na forma da legislação urbanística, proteção do patrimônio histórico, cultural, arqueológico e imaterial, inclusive por meio da avaliação do impacto direto ou indireto causado pelas obras contratadas e também acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Os advogados que fiquem atentos. É inexigível a licitação quando inviável a competição no caso da contratação dos serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização, como no caso do patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas[14].
Além disso, alguns benefícios e incentivos competitivos foram criados: no caso da contratação de obras, fornecimento e serviços, poderá ser estabelecida remuneração variável com base em critérios de sustentabilidade ambiental vinculada ao desempenho do contratado[15].
Ao que tudo indica, no quesito sustentabilidade, a Lei 14.133 não é apenas a repetição das normas anteriores, aprofundando-se em exigências para implementar o princípio do Desenvolvimento Nacional sustentável. Pelo que foi visto, parece ser negativa a resposta quanto a indagação musicada pelo “Agenor”, o primeiro vocalista do Barão Vermelho e a nova Lei de Licitações avança no processo de inclusão da sustentabilidade nas licitações públicas.
Tomara mesmo que a nova Lei não se resuma a um museu de Grandes Novidades, mas isso só o tempo dirá. É importante lembrar que o tempo, o tempo é um mano velho e falta um tanto ainda. Mas isso é outra música, de uma outra banda[16], para um outro artigo.
[1] https://www.al.sp.gov.br/norma/?id=122385 – acesso em 19 de abril de 2021
[2] http://portal.assembleia.pr.leg.br/index.php/pesquisa-legislativa/legislacao-estadual?idLegislacao=27650&tpLei=0&idProposicao=15015 – acesso em 19 de abril de 2021
[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2783.htm – acesso em 19 de abril de 2021
[4] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12349.htm – acesso em 19 de abril de 2021
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12462.htm – acesso em 19 de abril de 2021
[6] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7746.htm – Acesso em 20 de abril de 2021
[7] Lei 14.133, art. 18, XII.
[8] Lei 14.133, art. 26, I.
[9] Lei 14.133, art. 25, § 5º.
[10] Lei 14.133, art. 25, § 6º.
[11] https://www.conjur.com.br/2021-abr-15/burmann-brito-aspectos-ambientais-lei-licitacoes – acesso em 20 de abril de 2021
[12] Lei 14.133, art. 34.
[13] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 19
[14] Lei 14.133, art. 74, III, e.
[15] Lei 14.133, art. 144.
[16] https://www.patofu.com.br/ – acesso em 21 de abril de 2021