Gabriel Cristina Lourenço
Graduanda em Direito pela Faculdade Cenecista de Varginha.
A efetividade do provimento jurisdicional, há muito, é discutida na esfera jurídica. Em diversas ocasiões, vê-se a proclamação por um processo dentro dos padrões socialmente justos, na qual, se almeja a conferência do resultado à parte demandada, buscando atendimento as reclamações àquele que reivindica.
Buscando o aperfeiçoamento para amenizar o problema A Lei nº 13.105/2015, que entrou em vigor em 17 de março de 2016, – Novo Código de Processo Civil de 2015 – estabeleceu alguns requisitos para a concessão de tutelas jurisdicionais.
A reformulação no âmbito da tutela se enquadra dentre as inúmeras e novidades trazidas pela legislação processual civil. O CPC/2015 fracionou a tutela provisória em duas modalidades: urgência e evidência, sendo[1]:
· TUTELA DE URGÊNCIA – de natureza cautelar e antecipada, nos arts. 300 a 310 do CPC/2015;
· TUTELA DE EVIDÊNCIA é regulada no art. 311 do CPC/2015.
Salienta-se que, dentre as inovações, é possível o requerimento de ambas as tutelas provisórias em dois momentos processuais diferentes, apresentados de maneira antecedente e incidental, podendo especificá-las da seguinte maneira[2].
· INCIDENTAL – A norma se explica, na medida em que a solicitação da tutela provisória em caráter incidental não ocorre através da apresentação de uma petição inicial e pelo ajuizamento de nova ação. Diferentemente, o pedido é formulado por petição avulsa, como qualquer outra petição protocolada durante o processo. Assim, considerando a existência de uma ação em curso, e preenchidos os requisitos que autorizam a concessão da tutela provisória cautelar ou antecipada, a parte simplesmente protocola petição ao juiz da causa, que é acostada aos autos do processo único (leia-se: não acarretando a formação de novo processo), permitindo a apreciação do pedido através de decisão de natureza interlocutória.
· ANTECEDENTE – Embora o CPC/2015 tenha modificado a natureza jurídica da tutela provisória cautelar, que deixou de ser ação, para ser pedido, que pode ser formulado em qualquer ação, ou de modo antecedente, eliminando, assim, as ações cautelares típicas ou nominadas, lista exemplos de providências que podem ser adotadas como consequência da concessão desse tipo de tutela, como o arresto, o sequestro e as demais medidas previstas na norma. Não obstante a referência a elas, em qualquer caso, o que fundamenta a concessão da tutela provisória é o poder geral de cautela, não mais se exigindo o preenchimento de requisitos específicos, como a prova literal da dívida líquida e certa, como condição para o deferimento da medida liminar de arresto, a demonstração do fundado receio de extravio ou de dissipação de bens, como condição para a concessão da medida liminar de arrolamento de bens, apenas para exemplificar.
Quando se trata da Fazenda Pública em juízo, temos que considerar alguns aspectos, tais como, o princípio da isonomia (princípio da igualdade previsto no art. 5º, “caput”, da Constituição Federal), e o princípio da legalidade (determina total subordinação do Poder Público à previsão legal, devendo, os agentes públicos, atuar sempre conforme a Lei).
O CPC/2015 objetivando o alcance de igualdade material, no âmbito processual, assim como, pretendendo defender a garantia e preservação da efetiva defesa do interesse público, atribui algumas prerrogativas processuais à Fazenda Pública, ou seja, regras processuais específicas para situações nas quais pessoas jurídicas de direito público figuram como sujeitos em demandas judiciais.
Ao analisarmos as modalidades de tutelas apresentadas inicialmente, percebe-se que, o cabimento de suas estabilizações em desfavor da Fazenda Pública, não possui previsão expressa e, deste modo, a questão engloba, por diversas vezes, discussões entre doutrinas e tribunais[3].
Neste cenário, vale ressaltar o entendimento de Marco Antônio Rodrigues que enfatiza a divergência que surgiu entre os demais especialistas no ramo do direito, vejamos:
“No entanto, mesmo na vigência do CPC de 1973, o legislador não mencionou expressamente se esse instituto poderia ser aplicado em face da Fazenda Pública, uma vez que regra geral do processo de conhecimento, ou se somente seria admissível em ações de procedimento especial nas quais houvesse previsão própria em face das pessoas jurídicas de direito público, como é o caso do mandado de segurança – art. 7º, inciso III, da Lei nº 12.016. Diante desse quadro, alguns autores defendiam a impossibilidade de aplicar a tutela antecipada de forma genérica, com base no art. 273 do CPC, à Fazenda Pública (RODRIGUES, 2016).”
O renomado doutrinador nos traz, ainda, argumentos daqueles que defenderam o descabimento da tutela frente à Fazenda Pública:
“Em primeiro lugar, o reexame necessário das sentenças, previsto no art. 475 do CPC, atuaria como obstáculo em face da tutela antecipada. Isso porque, se a sentença, que, em regra, possui cognição exauriente, está sujeita à confirmação pelo Tribunal, para que produza eficácia plena, a tutela antecipada, que é tomada em cognição sumária — ou seja, mero juízo de probabilidade —, não poderia ser cabível em face das pessoas jurídicas de direito público. Caso contrário, a antecipação dos efeitos da sentença, que é decisão de cunho provisório, teria mais força sobre a Fazenda do que a própria sentença, uma vez que não tem previsão de sujeição ao reexame necessário. Ademais, um segundo fundamento seria o regime do precatório para satisfação de condenações judiciais pela Fazenda Pública, previsto no art. 100 da Constituição da República. Na forma do art. 100, caput e parágrafo 5º, a inclusão de verba no orçamento da entidade de direito público para pagamento da condenação depende de trânsito em julgado da decisão exequenda, e a satisfação do precatório se dará na ordem cronológica de sua apresentação. Assim, não seria possível falar-se em antecipação de tutela em face da Fazenda com consequências pecuniárias, pois isso significaria uma indireta violação ao aludido dispositivo constitucional, em virtude do dispêndio de verbas orçamentárias em decorrência de decisão judicial e sem observância da ordem cronológica para pagamentos (RODRIGUES, 2016).”
Apesar dos argumentos em favor do descabimento tutelar, é apaziguado o entendimento no sentido de ser possível conceder tutelas provisórias satisfativas em face dos entes públicos.
É sabido que constituição da República de 1988 impõe em seu art. 100 que, a regra de expedição precatório, sendo que, o referido regime restringe-se à hipótese de condenação da Administração Pública ao pagamento de quantia certa na ordem cronológica, mas tal imposição não pode justificar a completa impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, se por ventura a medida requerida tiver natureza de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa.
No âmbito que ocorrem alegações acerca da necessidade de reexame necessário, de forma simples, entende-se que a remessa não pode se tornar empecilho para a concessão da tutela antecipada contra o ente público, haja vista tratar-se de provimento emergencial e de natureza interlocutória, e a legislação somente exige o indispensável duplo grau de jurisdição para eficácia das sentenças de mérito proferidas contra a Fazenda Pública. (SILVA, 199, p. 146).
Ainda, de maneira bem objetiva Leonardo Carneiro da Cunha complementa:
A tutela de urgência, seja a cautelar, seja a satisfativa, é cabível contra a Fazenda Pública. É bem verdade que a legislação veda a tutela de urgência contra a Fazenda Pública em várias hipóteses, tal como será examinado no subitem seguinte. Significa que, nas hipóteses não alcançadas pelas vedações legais, é plenamente possível a concessão de tutela de urgência contra a Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas das hipóteses previstas em diversos dispositivos legais, a tutela de urgência contra a Fazenda Pública (CUNHA, 2017, p. 306).
Destaca-se, também, que o Superior Tribunal de Justiça, se manifestou admitindo a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública:
Direito administrativo. Processual civil. Recurso especial. Servidor público. Mandado de segurança. Execução provisória da sentença. Art. 475, II, do CPC. Inaplicabilidade. Liminar determinando o bloqueio de verbas públicas. Possibilidade. Precedentes. Recurso especial conhecido e improvido. – 1. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a regra prevista no art. 475, II, do CPC não constitui óbice à execução de sentença proferida em mandado de segurança. – 2. É possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses não vedadas pelo art. 1º-B da Lei 9.494/97 e 1º, § 4º, da Lei 5.021/66, como na hipótese dos autos, em que a liminar concedida pelo Juízo a quo foi no sentido de determinar o bloqueio de verbas públicas para garantir o pagamento dos vencimentos cobrados pelos recorridos, e não o pagamento propriamente dito (BRASIL, 2007).
Portanto a possibilidade de aplicação da antecipação dos efeitos da tutela frente à Fazenda Pública é hoje questão pacificada, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, desde que não se enquadre em situações que haja expressa limitação[4], sendo ainda, importante pontuar que a estabilização da tutela consiste em mais uma técnica de monitória, agora generalizada e possível para defesa de qualquer direito material
No âmbito da estabilidade da tutela Didier Júnior, Braga e Oliveira nos ensina:
A estabilização da tutela antecipada representa uma generalização da técnica monitória para situações de urgência e para a tutela satisfativa, na medida em que viabiliza a obtenção de resultados práticos a partir da inércia do réu. […] Sucede que, ao mesmo tempo em que mantém e amplia a ação monitória, o legislador vai além e generaliza a técnica monitória, introduzindo-a no procedimento comum para todos os direitos prováveis e em perigo, que tenham sido objeto de tutela satisfativa provisória antecedente. O modelo da ação monitória (arts. 700 a 702, CPC) deve ser considerado o geral — é possível, inclusive, pensar em um microssistema de técnica monitória, formado pelas regras da ação monitória e pelos arts. 303 a 304 do CPC, cujos dispositivos se complementam reciprocamente (DIDIER JÚNIOR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 604-605).
A eventualidade de verificação a expressa das técnicas de monitorização do processo contra o poder público encontram-se elencadas no Novo Código de Processo Civil, tornando positivado o que já estava sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, o CPC/2015, em seu art. 701, § 4º,6 expressamente prevê a possibilidade de ação monitória em face do ente público.
Consequentemente, se a inércia do Estado permite, na ação monitória, constituição do título executivo judicial, não há motivos para impedir que essa mesma inércia do ente público provoque a estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente[5].
Pelas breves abordagens apresentadas, conclui-se que, nos casos em que se permite a proteção contra o Poder Público, são possíveis a concessão da tutela satisfativa antecedente e sua consequente estabilização em caso de inércia da Fazenda Pública, sendo certo que a sentença que declara a estabilização e extingue o feito não se sujeita ao reexame necessário.
[1] LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 de março de 2015. – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
[2] Montenegro Filho, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado / Misael Montenegro Filho. – 3. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.
[3] ANTONIO RAPHAEL DA SILVA SALVADOR afirmar que é “impossível a tutela antecipada concedida a favor de autor contra a União, Estados e Municípios, pois aí haveria, obrigatoriamente, pedido de reexame necessário se a concessão fosse em sentença final, o que mostra que não é possível, então, a tutela antecipada, que burlaria a proteção legal prevista no artigo 475, II do Código de Processo Civil.”
[4] Lei nº 12.016/09 (BRASIL, 2009§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza. […]
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil (BRASIL, 2009).
Lei nº 8.437/92 (BRASIL, 1992), que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares em face do Poder Público, que, em seu art. 1º, caput, e §§ 1º e 3º, veda a concessão de providências liminares em algumas hipóteses:
Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1º Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.
§ 3º Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação (BRASIL, 1992).
[5] (…) o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) editou o Enunciado nº 582, prevendo que “cabe estabilização da tutela antecipada antecedente contra a Fazenda Pública”.